terça-feira, 10 de abril de 2012

“Escola de Cidadania” para o dia 13 de Abril. NOTÍCIAS DA ZONA LESTE.

Car@s Amig@s da Cidadania. 
Vai o convite da “Escola de Cidadania” para o dia 13 de Abril. Enviamos NOTÍCIAS DA ZONA LESTE.
Nesta sexta feira, 13 de Abril, às 19,30 horas, o tema será: Política Cultural no Brasil e na Zona Leste. A Escola de Cidadania tem como PRIORIDADE ABSOLUTA uma Política Cultural.
Convidado:  Tião Soares. Tião Soares É professor universitário, mestre em educação e doutorando em Ciências Sociais-PUC/SP; integra a rede nossa São Paulo e o nossa Zona leste.
Local: Salão da Igreja São Francisco, Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo, Zona Leste, 9988.1869; 7194.4426.                                                  
(DIVULGUE para todas e todos) – SEGUEM NOTICIAS DA ZONA LESTE E REFLEXÕES SOBRE A CULTURA...

















ESCOLA DE CIDADANIA DA ZONA LESTE
“Pedro Yamaguchi Ferreira”

ABRIL - 2012
DIA
T E M A S
20
VAMOS DEBATER os “CURSOS” que queremos na UNIVERSIDADE FEDERAL DA ZONA LESTE. Venha participar. Convidados: Prof. Pedro e você.
27
Livro publicado sobre a ZONA LESTE: “Face Leste”. Todos receberão o Livro dia 27 de abril e vamos debater com os autores/as: Daniel, Rodrigo... Teremos – também – um filme sobre o livro de 18 minutos.
MAIO - 2012
DIA
T E M A S
04
Trabalho na Zona Leste
11
Tema: CURSOS DE EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA ZONA LESTE. Teremos a presença da Pró-Reitora de Extensão da UNIFESP.
18
O SIGNIFICADO DE UM MEMORIAL (Museu) na Zona Leste com o Dr. Rui Otake. Venha conhecer um dos Projetos de Cultura mais belos na Z.Leste.
25
Estatuto da Juventude
JUNHO - 2012
DIA
T E M A S
01
Enchentes / Áreas de Risco
15
Imigração dos Latinos Americanos
22
Uso dos Agrotóxicos
29
Ministério Público / Defensoria Pública
" ..........................................  FICHA DE INSCRIÇÃO ............................................
ESCOLA DE CIDADANIA ZONA LESTE “PEDRO YAMAGUCHI FERREIRA”
·        Os temas serão alterados diante da impossibilidade da vinda dos convidados.
·        Você poderá sugerir NOVOS TEMAS E NOVOS/AS CONVIDADOS. O importante é que a Escola de Cidadania seja uma prática em toda ZL.

Notícias de 2012 e Convites de reuniões de Políticas Públicas na Zona Leste:
1.        Escola de Cidadania da Zona Leste em 2012: todas às Sextas Feiras, às 19,30 horas, no Salão da Igreja São Francisco, Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo.

2.        Convite para o ENCONTRO DA PASTORAL DA JUVENTUDEA “Igreja – Povo de Deus – em Movimento - com a JUVENTUDE”, convida:  Dia: 21 de Abril de 2012, Sábado. Horário: 8,30 horas da manhã.  Localna Igreja Santuário Nossa Senhora da Paz, Cidade Líder, Avenida Maria Luiza Americano. 1550 - Jardim Nossa Sra. do Carmo - Itaquera - Zona Leste de São Paulo. Diocese de São Miguel Paulista – Zona Leste de São Paulo. (pe.paulob@terra.com.br)   Convidado: o Teólogo e Professor da PUC/SP:  Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior.

3.        Reuniões dos IDOSOS DA ZONA LESTE no CRI (Centro de Referência dos Idosos) de São Miguel Paulista, sempre às 14,00 horas em 2012. Dias:25 de Abril de 2012, Quarta Feira;    30 de Maio de 2012, Quarta Feira;    27 de Junho, Quarta Feira; 29 de Agosto; 26 de Setembro; 31 de Outubro; 28 de Novembro; Romaria para Aparecida dia 12 de Dezembro.

4.        “Encontro-Reunião” sobre o novo Curso de Engenharia da Computação na USP-Leste. Com o Prof. Dr. Sidney, da Politécnica da USP. Dia: 5 de Maio de 2012, Sábado. Horários: 8,30 horas (1º. Grupo);    e 10,00 horas (2º. Grupo). LocalSalão da Igreja São Francisco de Assis, Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo, Tel: 2546.5254, vozdacomunidade@uol.com.br;  Objetivos do Encontro-Reunião dia 5/5Conhecer os Cursos de Engenharia da USP. Qual o caminho de acesso para as Engenharias da USP (FUVEST). conhecer o novo Curso de ENGENHARIA DA COMPUTAÇÃO na USP-Leste que está previsto para 2013.

5.        17 de Maio de 2012 Quinta Feira, 9,00 horas da manhãREUNIÃO SOBRE AS ESCOLAS ESTADUAIS NA ZONA LESTE. Local da reuniãono Salão da Igreja S. Francisco, Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo. As Comunidades vão pesquisar as ESCOLAS ESTADUAIS PARA GARANTIR QUALIDADE DE ENSINO na Zona Leste.

6.        18 de Maio de 2012, Sexta Feira, 19,30 horas, GRANDE ENCONTRO COM O ARQUITETO DR. RUI OTAKE para fazer uma exposição do Projeto do MUSEU NA USP–LESTE. O Dr. Rui Otake estará apresentando um dos PROJETOS MAIS SONHADOS NA ZONA LESTE : o Projeto de Construção do Memorial da Zona Leste. Convide todas as pessoas interessadas. Dia 18 de Maio no Salão da Igreja São Francisco, Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo, na ESCOLA DE CIDADANIA DA ZONA LESTE.

7.        23ª. CARAVANA DA MORADIA PARA BRASILIA: As lideranças e movimentos devem se organizar na estadia e na pauta de reivindicações nos Ministérios em Brasília nos dias: 26, 27, 28 e 29 de Maio de 2012.(Informações: falar com o Neto sobre as Custos do transporte e hotel: 9988.1869)

8.           

           A CULTURA DA CULTURA

Tião Soares

Temos no decorrer dos tempos,  procurado esquecer de nossas raízes, as mais genuínas formas de  fortalecermos as nossas identidades, as mais variadas e quem sabe, buscar construir novas outras.
Os nossos mitos parecem não ser  mais os mesmos, temos visto cotidianamente na mídia televisiva a delirante corrida por coisas alheias das mais diversas formas de ver o mundo e procurarmos  não enxergar a graciosidade da beleza, do simples, do que há mais perto de nós. Perdemos muitos hábitos, Um deles, o mais simples: Dizer bom dia , boa tarde ou boa noite aos nossos conhecidos, vizinhos, pessoas transeuntes, no ponto de ônibus, na fila do banco, no boteco, etc. Para a nossa sociedade contemporânea, talvez seja este um gesto , muito cafona demais. O legal é ser da globo ou, no mínimo, aparecer na televisão. Mesmo que seja na novela “América”, uma invenção de gringo ou coisa para inglês ver, como diz o dito popular.
E, por falar nessa novela, cabe aqui uma reflexão a respeito da cultura que não é nossa mas, é a cultura da cultura praticada por esses lados de cá. Tem-se visto crescer imensamente as práticas de rodeios (Rodeios é aquela onda de massacrar o boi a vaca com um homem equipado de esporas e chicote) Brasil a fora e com elas se esquecem também de lembrar que a árvore cresce, floresce e dar frutos a partir de suas raízes. Deste modo, os rodeios “americanalhados” daqui,  não tem construído bons frutos não. Vemos jovens, homens e mulheres, solteiras e casadas esquecendo as cantigas de niná, os nossos mitos e agregando na sua bagagem, o country. Mas o que é isso mesmo?
Calça apertadinha para homens e um cinto com uma fivela fenomenal mostrando a sua imponência dos caubóis americanos, àqueles cafonas lá do Texas. As músicas,  acompanhadas de um ritmo dançado esquisito que nos deixa abismado. Vê-se crescer  entre as crianças grupos de danças com uma roupa, sei lá como, aparecendo no Raul Gil e em outros programas para o deleite dos pais.
Ver-se , por outro lado,  crescer a onda do Funk. Aquela  moda deformadora que se viu priliferar a partir  no Rio de Janeiro como diversas apologias como a do crime a erotização, etc. E que agora está bem presente nas nossas ruas, aqui bem de nosso lado. O Funk diferentemente dessa nova invenção daqui, nos dias atuais, é um ritmo musical muito interessante, diferente desta invenção, desta nova onda cultural deformadora, pelo menos ao meu ver.
Neste sentido cabe aqui dizer que o funk em seu conceito original poderia ser visto como um estilo musical que se originou na segunda metade da década de 60 quando músicos afro-americanos, misturando soul, Jazz  criaram uma nova forma de música rítmica e dançante. O Funk tira o ênfase da melodia e da harmonia e traz um grave rítmico forte de baixo elétrico e bateria no fundo. Músicas de Funk são comumente baseadas em um acorde apenas, distinguindo-se das músicas de R&B, que são centradas nas progressões de acordes. Portanto este funk de que falo,  nos anos 70 o funk foi influência para músicos de jazz (como exemplos, as músicas de Miles Davis, Herbie Hancock Eddie Harris entre outros).


É esta a cultura daqui? Imagina-se que não. Li nos jornais a luta de romeiros veteranos reivindicando uma simples passagem pelas rodagens asfaltadas deste Estado. As autoridades proíbem uma manifestação, genuinamente cultural, mas deixa passar sobre os seus pedágios,  enormes caminhões carregados de bois e boiadas,  para fazer a festa nos rodeios por aí afora; acompanhados dos bois e vacas passam também carretas de quase um quilômetro de comprimento para ajudar no delirante acoite à nossa cultura: Os milionários cantores sertanejos contemporâneos. Um dito popular: “ Casa de ferreiro, espeto de pau”.

Quero trazer esta polêmica discussão para a propósito, provocar um debate público sobre as perdas nossas de cada dia. As nossas freqüentes preocupações com a violência e outros fatores de desagregação social. Será que acabamos com a violência praticando outras? Aí estão as práticas de violência contra a nossa cultura. Está na televisão e na família e, mais que isso: Autorizadas pelos poderes públicos, patrocinadores disso tudo. Eis aí a corrupção e o esconderijo de falsos profetas, com o Demóstenes,  coisa muito antiga e que se repetem com as novelas, institucionalizadoras de uma nova cultura americana ou não daqui.

Revisitando Nestor García Canclini, diz ele: “ Também são encontradas estratégias de reconversão econômica e simbólica em setores populares: Os migrantes camponeses que adaptam seus saberes para trabalhar e consumir na cidade ou que vinculam seu artesanato a usos modernos para interessar compradores urbanos; os operários que reformulam suas novas formas de trabalho antes as novas tecnologias produtivas; os movimentos indígenas que reinserem suas demandas na  política transnacional ou em discurso ecológico e aprendem a comunica-las por rádio, televisão e internet.”
Desta forma, o que Cancline esclarece nos traz uma compreensão a respeito da cultura de nossa cultura. É isso.


Tião Soares É professor universitário, mestre em educação e doutorando em Ciências Sociais-PUC/SP; integra a rede nossa São Paulo e o nossa Zona leste.

Cultura que transforma

Por Renato Janine Ribeiro

Há muitas definições de cultura, mas gosto de trabalhar com uma em especial: a cultura efetua uma transformação na vida das pessoas (ponto 1) no sentido de ampliar seu leque de escolhas e, assim, de aumentar sua liberdade (ponto 2).

Isso significa que não há uma substância chamada “cultura” e portanto o que é cultura para uma pessoa, pode não o ser para outra. O importante, então, é que também não há uma acumulação de cultura, pela qual alguém se torna dono dela, ou seja, possui “mais” cultura do que outro indivíduo. Mais ainda, e paradoxalmente, uma pessoa “culta” talvez tenha menos chances de viver a cultura do que uma pessoa inculta.

Para quem freqüenta museus, cinemas, teatros, o grau de novidade de uma obra cultural, a mudança que ela lhe proporciona, pode estar perto de um grau zero. É como se estivesse esgotando sua capacidade de ampliar enfoques – enquanto uma pessoa virgem em cultura pode ter um vasto território a expandir. Daí que numa política cultural é importante visar os primeiros, os “cultos”, entre os quais eu incluiria boa parte dos criadores e dos freqüentadores da cultura mais influentes na alocação de recursos. Mas o realmente crucial é privilegiar aqueles – as massas, hoi polloi, como diriam os gregos antigos e os ingleses atuais – que até agora tiveram pouco acesso às obras e podem extrair mais delas.

Esta definição de cultura pelo “efeito” que ela tem na vida das pessoas enfatiza seu caráter fortemente libertador, ao mesmo tempo em que reduz a importância de uma hierarquia das obras “em si”. Na verdade, as obras valem pelo que produzem ou propiciam a seus usuários. Por isso, o cultural desempenha um papel relevante na vida social. Há um caso em particular que sempre me chama a atenção. Na Irlanda do Sul, fortemente católica, quando se deu a independência do Reino Unido, eliminou-se da vida pública qualquer referência ao homossexualismo. Disso resultou que rapazes que não gostavam de moças só podiam imaginar que tinham uma vocação sacerdotal. Disso, por sua vez, decorreu que, passado algum tempo, eles abusassem sexualmente dos meninos a quem supostamente educavam. Esse é um exemplo terrível de como as limitações culturais escravizam e infelicitam as pessoas – e, inversamente, de como uma abertura para o horizonte, a possibilidade de viajar imaginariamente para experiências que estão geograficamente longe de nós, nos emancipa.

O acesso à cultura, assim, não consiste apenas em mais pessoas visitarem museus ou assistirem a peças ou filmes. Ele significa mais pessoas terem uma experiência intensa de ampliação de perspectivas pelo contato com o que é diferente. Dançar, para um pé de pau; ver um quadro, para quem nunca apreciou o jogo das cores; ler, para quem jamais desfrutou um livro, podem ser revolucionários. A questão não é quantitativa, meramente numérica. É de um valor que se agrega, sim, mas que consiste em qualidade. E essa qualidade se resume numa palavra: maior liberdade. A cultura liberta; traz mais opções a quem a vivencia. Por isso a cultura tem um papel-chave na vida democrática. Sem ela, o que será a democracia: apenas eleições políticas? Escolher os governantes, aprovar as leis são parte muito pequena do que é a vida democrática. Se a democracia é liberdade, quer dizer que ilumina a vida íntima, pessoal, afetiva. A cultura abre a porta de imaginários que, por sua vez, constroem novas vidas. O menino confinado entre vacas e cavalos que se descobre homossexual, o favelado que percebe seu dom para a música, estão abrindo novos rumos para si mesmos. Aqui entram outras eleições – no sentido exato que a palavra tem e que quer dizer, simplesmente, “escolhas”. Podemos escolher melhor, se formos cultos. Mas a palavra “cultos” está tão gasta que parece significar quem tem um cabedal, um estoque de informações. Não é isso. Cultura é poder de transformar. A criança que, assistindo à Flauta mágica no filme de Ingmar Bergmann, vai-se deslumbrando a cada episódio novo tem uma vivência cultural mais rica do que o melômano que sabe distinguir cada soprano que aparece e seus matizes.

Evidentemente há um espaço que é dos criadores e dos críticos. Mas não é no território deles que se dá o acesso à cultura, sua democratização, seu papel emancipador. É claro que toda organização da cultura, desde as secretarias de Estado até os patrocinadores privados, deve apoiar a criação, a novidade, a preservação. Mas estas são condições para algo que é o cerne do cultural, e que está na recepção. Uma recepção, por sinal, que não é passiva, mas se constitui numa apropriação da obra. Até os erros (como quando a personagem vivida por Melina Mercouri, em “Nunca aos domingos”, acha que as tragédias gregas acabam… bem) fazem parte dessa riqueza receptiva, pela qual o espectador também se torna um tanto criador. Algumas obras notáveis se fizeram sobre esse encontro da arte com o principiante.

Um filme cubano dos anos 60 mostra a primeira vez que se mostra uma película para uma aldeia que nunca viu uma antes. Godard, em Tempos de guerra, tem uma cena com um rapaz que vai olhar o que está acontecendo (acha ele!) atrás da tela. Cinema Paradiso toca no mesmo tema. Essas ingenuidades são, às vezes, engenhosidades. Elas podem contribuir com algo novo. O olhar culto pode estar viciado; precisamos, constantemente, do confronto com percepções diferentes. Como promover então a democratização cultural? Não é apenas levando mais gente a atividades culturais. É assegurando que essas experiências ampliem seus horizontes. É descobrindo novas vocações, que podem até se converter em profissão ou se manter como hobbies, pouco importa – mas que agreguem sentido às vidas. Porque nosso tempo não suporta a monotonia e ao mesmo tempo a reproduz sem cessar. Ora, uma das poucas maneiras de sairmos da monotonia que não seja histérica (o desespero por ser célebre, o homem ou mulher que é serial lover, o consumismo sem freios, o workaholism desbragado) é pelo amor ao que se faz.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo. Autor, entre outros livros, de Ao leitor sem medo (Ed. UFMG), A sociedade contra o social (Companhia das Letras), O afeto autoritário (Ateliê) e A ética na política (Lazuli).


Cultura e desenvolvimento local Ladislau Dowbor

Antes de tudo, é preciso saber de que cultura falamos. Há uma visão estreita de cultura, no sentido ministerial, digamos assim, e na concepção pre-Gilberto Gil, de que se trata de organizar eventos simpáticos com artistas, inaugurar museus, promover eventos no teatro municipal, canalizar os impostos, com os quais empresas estão desgostosas, para financiar produtos culturais. Nada contra essa visão que é necessária e útil. Mas se trata aqui, de uma faceta apenas, e limitada, muito reminiscente de la culture, com sotaque francês, e de imortais maranhenses. Economicamente, é a cultura do mecenato, da generosidade, do verniz elegante de quem já acumulou.
Há também uma visão mais popular, sem dúvida, mas igualmente estreita, que tem sido chamada de “indústria da cultura”, e que os americanos chamam de entertainment industry. Com a expansão do rádio, do cinema, da televisão e do 3G; com a penetração da TV em praticamente qualquer residência (95% dos lares têm TV no Brasil), com crianças assistindo, em média, 4,5 horas por dia; com o controle dos meios de comunicação pertencente, basicamente, a quatro grupos privados, gerou-se uma máquina de fornecimento de produtos culturais padronizados, de alguns pontos centrais para todo o País. É uma cultura de recepção, passiva e não-interativa, centrada na geração de comportamentos comerciais, já que o seu ciclo econômico passa pela publicidade, cujo financiamento, alias, sai do nosso bolso.
O efeito é, por um lado, o consumismo obsessivo, vitimando, particularmente, as crianças; e, por outro lado, uma cultura apelativa, que trata, essencialmente, de manter a audiência, ainda que seja transformando crime em espetáculo. Trata-se, literalmente, da indústria do consumo, em que a cultura entra apenas como engodo. No conjunto, esta dinâmica gerou uma imensa passividade cultural. A criação, esta depende do criador entrar no seleto grupo que uma empresa irá apoiar, para virar, na melhor tradição do “jabá”, um sucesso. A cultura deixa de ser uma coisa que se faz, uma dimensão criativa de todas as facetas da nossa vida, e passa a ser uma coisa que se olha, sentado no sofá, publicidade de sofá incluída.
A era da internet vem, naturalmente, transtornar o confortável universo dos latifundiários das ondas magnéticas, das editoras, dos diversos tipos de intermediários. Filmes simples, mas criativos, a partir de qualquer celular encontram enorme sucesso no YouTube; músicas alegres, tristes ou debochadas passam a circular no planeta sem precisar da aprovação de emissoras; artesãs do vale do Jequitinhonha, que vendiam artesanato a 10 reais para se espantarem ao saber que eram revendidas por R$150, passaram a furar os bloqueios dos atravessadores e a vender na internet. Livros que nunca estão disponíveis nas livrarias aparecem online, com muito mais leitores. Nas universidades, surge o OCW – Open Course Ware, que assegura ciência gratuita e dinamiza a pesquisa. É a desintermediação em marcha, fim do controle absoluto de quem não cria, mas fornece o suporte material para a criação, e se apropria do copyright em nome dos interesses do autor. E sempre o argumento de que estão ajudando o pobre autor.
Na favela de Antares, no Rio de Janeiro, dotada de banda larga, os jovens plugados passam a fazer design e a prestar serviços informáticos diversos, o que lhes rende dinheiro, e fazem cultura por prazer e diversão. Nas cidades com acesso WiMax, banda larga sem fio, as crianças têm na ponta dos dedos acesso a criações científicas, lúdicas ou artísticas de qualquer parte do mundo, esbarram no inglês macarrônico mas suficiente, criam comunidades virtuais.
De certa forma, a reapropriação dos canais de criação cultural pelas comunidades gera uma outra cultura, agora, sim, no sentido mais amplo. Uma comunidade periférica ou um município distante já não são isolados, ou inviáveis, como os classificam os economistas. O resgate da identidade cultural é central para um resgate muito mais amplo do sentimento de pertencer ao mundo que se transforma, de participar da criação do novo. E o desenvolvimento é apenas em parte uma questão de fatores materiais, de investimentos físicos. A atitude criativa está no centro do processo de desenvolvimento em geral. Estamos entrando na era da economia do conhecimento, e a cultura, longe de ser a cereja no bolo dos afortunados, passa a ser o articulador de novas identidades locais.
*Ladislau Dowbor é formado em Economia Política pela Universidade de Lausanne, na Suíça; Doutor em Ciências Econômicas pelaEscola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, na Polônia (1976). Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e continua com o trabalho de consultoria para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Atua como conselheiro na Fundação Abrinq e no Instituto Polis, entre outras instituições.



A Escola dos meus Sonhos:
Frei Betto
Na escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura, desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros, guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de saúde, segurança, informação e alimentação.
Não há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-1 e nas pesquisas do supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes na relação colonizadores - índios, senhores - escravos, Exército - Canudos, etc.
Na escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de Biologia e de Educação Física se complementem; a multidisciplinaridade faz com que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo, do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas cidadãos.
Ela não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados, etc. Em suma, não se fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a sério e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e seus discursos analisados e comparados às suas práticas.
Não há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha. Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a Independência do Brasil, os alunos traziam para a classe a bibliografia pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar. Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua disponibilidade, aptidão e seus recursos. É mais importante educar do que instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular estabelece conexões com o noticiário da mídia.
Na escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, dever obrigatório.
Frei Betto é escritor, autor do romance "O Vencedor" (Ática), entre outros livros.


A cultura e a formação do ser humano: sobre o acesso à cultura

Por Marcia Tiburi
 
O conceito de cultura está intimamente ligado ao conceito de formação. Precisamos prestar atenção nesta relação para entendermos o estado da questão nos dias de hoje quando certa crise da cultura relaciona-se à educação no contexto da crise geral da sociedade. O que a sociedade tem a ver com a cultura?  O que a cultura pode fazer pela formação dos indivíduos para além da educação? Entre a inclusão e a exclusão de indivíduos e grupos ao poder, pois é de poder que se trata quando se fala de cultura, a sociedade de um modo geral enfrenta-se com o desejo da democracia que nada mais é do que a partilha das ideias e das práticas no contexto de sua diversidade. Vivemos a experiência de uma sociedade afundada em diversas perspectivas, desejos, posicionamentos e, sobretudo, jogos de força. Em meio a isso tudo, a democracia é um desejo e um ideal pelo qual devemos lutar, pois não está pronta como demonstra a inacessibilidade da cultura.
O que é cultura
Em primeiro lugar, devemos ter em mente que “cultura” é um conceito usado genericamente para falar da totalidade dos valores e das práticas humanas. Neste sentido, cultura é tudo o que é produzido pelo ser humano enquanto não é próprio da natureza. Em um segundo sentido, costumamos chamar de cultura um tipo de recorte para definir práticas relacionadas às artes e às chamadas ciências humanas voltadas à pesquisa de cunho antropológico e social. Distinguem-se das ciências duras voltadas para a pesquisa sobre a natureza.
Esta oposição é decisiva na compreensão da cultura na atualidade. As ciências exatas ou naturais, ciências vistas como “duras” em função de seu respaldo no método empírico, são também aquelas que se relacionam historicamente com a noção de progresso. Progresso, por sua vez, é algo que faz parte da ideologia do mercado. O produto do progresso nunca foi a arte, mas a tecnologia que não se faz ver em espetáculos teatrais ou livros de arte, mas em medicamentos, eletrodomésticos, carros. Tais produtos são hipervalorizados e lucrativos. Por oposição a eles é que passamos a chamar de produtos culturais determinados artefatos que acabam por carregar a marca de algo inútil porque contrário ao progresso, ao mercado e ao lucro.
Os produtos da cultura em seu sentido estrito são desvalorizados pelo mercado. Mas que sejam desvalorizados pela sociedade como um todo é um problema sério. Muitos artistas e produtores culturais tentam mudar isso e muitos conseguem transformando arte em objeto industrializado para atingir o maior número possível de pessoas, ou produzindo objetos – músicas, espetáculos, filmes – para o puro entretenimento. Aí é que aparece a indústria da cultura que não tem necessariamente a ver com obras de arte. Ou seja, pode-se produzir um disco inteiro apenas para fazer sucesso no mercado, desconsiderando qualquer daqueles valores como sensibilidade e rigor estético que fazem parte da história da arte. Isso pode escandalizar alguns, mas para aqueles que pensam em termos de mercado não há nada demais.
De que acesso estamos falando?
A questão do acesso precisa ser pensada a partir daí. Todos nós temos acesso aos produtos industrializados da cultura e que são escoados pelo mercado, seja pela televisão aberta ou pelos shows em estádios lotados com músicos competentes em entreter massas inconscientes. No entanto, a maior parte da população nem fica sabendo o que existe em termos de produtos – ou obras de arte – para além daquilo que é oferecido no contexto do mercado. Não é errado pensar que o avanço da indústria impede o avanço da arte, pois a indústria aliada ao mercado, aliada à propaganda, sempre coopta adeptos, avança nos espaços, não deixando lugar para outras expressões. A indústria também comanda os interesses, produzindo-os pela propaganda.
Raramente se vê nos meios de comunicação a propaganda espontânea de uma exposição de arte, de cinema, de um espetáculo de dança que escape do que pode render lucro. Há, é claro, exceções que confirmam a regra. Mesmo o patrocínio por meio de leis de incentivo é orientado a produtos da indústria da cultura muito mais do que a produtos propriamente artísticos. A cultura está reduzida ao que o mercado determina quando escoa produtos industrializados. Fazer cultura seria, neste caso, resistir diante do mercado, e poder intervir no desejo das massas. Mas há desejo fora do mercado nos dias de hoje?
Podemos responsabilizar a educação e até mesmo a família como tantos fazem. Podemos dizer que o desinteresse das massas é promovido pelos meios de comunicação. Estamos diante do velho dilema de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. O problema da educação, da família, dos meios de comunicação, é o problema geral da sociedade – sociedade civil, governo, esfera privada e pública – que não se importa com a formação de seus cidadãos porque ela não dá lucro. Curiosamente, a educação que dá lucro, aquela das escolas privadas, vai muito bem no Brasil. O acesso aos bens em geral, inclusive os culturais, dos que tem poder econômico não é um problema real.
O problema da cultura é também “cultural”
O problema do acesso à cultura é ele mesmo um problema cultural. E não deixa de ser até mesmo um problema estético, ou seja, de gosto, de relação sensível com as obras de arte e os produtos culturais. Mas aqui ele se mostra também em seu caráter de problema ético. No Brasil poderia haver certa inconsciência sobre o que estamos fazendo de nós mesmos se não estivéssemos mergulhados em um profundo jogo de poder em que está sempre vencendo o mercado. O problema do mercado não é outro do que a unificação dos seres humanos, impedidos de outras experiências estéticas capazes de promover a formação para além da estupidificação, da imbecilização que o modo de ver o mundo de um só ponto de vista produz.
As palavras que usei são fortes e até mesmo feias, mas devem ser usadas como um balde de água fria que, incomodando, nos acorda. Contra o descaso da política institucional e da sociedade como um todo, cabe a labuta diária de artistas e produtores, professores, jornalistas e cidadãos que não pensam que a hegemonia do pensamento, da ação e da experiência estética seja um bom futuro para uma sociedade que deseja ser verdadeiramente democrática.
Marcia Tiburi é  graduada em filosofia e artes e mestre e doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicou as antologias As Mulheres e a Filosofia (Editora Unisinos, 2002),  O Corpo Torturado (Ed. Escritos, 2004), e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero (Edunisc). Em 2008 publicou Filosofia em Comum – para ler junto (Record).É professora do programa de pós-graduação em Arte, Educação e História da Cultura da Universidade Mackenzie, colunista da Revista Cult e participante do programa Saia Justa, do canal GNT.


Democratização cultural: Desdobramentos de uma ideia

Por Isaura Botelho

As políticas de democratização cultural surgem na França, nos anos 60/70, e mantêm-se até hoje como modelo. Desde sua origem seu objetivo é a superação das desigualdades de acesso da maioria da população à cultura. As políticas engendradas neste sentido, geralmente, partem do pressuposto de que existe uma Cultura – com C maiúsculo – que deve ser difundida. Esta cultura é a cultura erudita, clássica, legitimada. Considera-se assim que exista um legado que tem valor universal que deve ser assimilado como repertório de qualquer pessoa “culta”, em oposição às práticas consideradas “menores”, vistas como expressões de saberes particulares e diversificados, em princípio mais limitados do que os herdados da alta Cultura. Nesta linha, a democratização é entendida como um movimento de cima para baixo capaz de disseminar, a um número cada vez maior de indivíduos, essa herança feita de práticas e representações que, pela sua universalidade, compõem um valor maior em nome do qual se formulam as políticas públicas na área da cultura.

As políticas de democratização pressupõem ainda que os principais problemas que impedem as camadas populares de ter acesso a esta cultura seriam, basicamente, a falta de espaços culturais que a veiculem ou ainda os altos custos do ingresso nestes equipamentos. Soma-se a isto o fato de se pressupor que o simples contato do público (também este visto como único, homogêneo) com as obras é suficiente para que se estabeleça uma relação de empatia duradoura entre eles.

No entanto, todas as políticas que investiram pesadamente nesse paradigma não foram bem sucedidas. Estudos realizados no intuito de conhecer como é de fato a vida cultural da população mostraram que, ao contrário do que se esperava, os altos investimentos na construção de espaços culturais voltados para esta Cultura (com C maiúsculo) e para o rebaixamento de preços de espetáculos, por exemplo, não alteraram o quadro de desigualdade de acesso da população à produção cultural legitimada. Como resultado, verificou-se que, na verdade, estas políticas privilegiam aqueles que já são consumidores destas práticas, e que, em função dos subsídios dados pelos poderes públicos passam a ir mais ao teatro, compram mais livros, assistem a mais concertos e assim por diante. O aspecto importante aqui é que esta política não resolveu aquilo que era seu maior objetivo: incorporar novos setores sociais no mundo destas práticas eruditas.

Algo que poderia nos parecer óbvio hoje, mas que não era naquela época, é que existem culturas no plural e que a cultura erudita é apenas uma dentre as diversas expressões possíveis. Além disso, deve-se reconhecer o fato de que não existe um único público, no singular, pois eles são tão diversos quanto as diferentes expressões culturais.

Desta forma, chegou-se a um novo paradigma: são as políticas que têm como foco a democracia cultural, que ao contrário da anterior, têm por princípio favorecer a expressão da diversidade cultural. Ao invés de concentrar todo o esforço na condução de todos às mesmas fontes (museus, concertos, por exemplo), ela deve fornecer aos diversos segmentos da população os meios de desenvolvimento de expressões que, dialogando ou não, com a cultura tradicional, estejam em sintonia com suas próprias necessidades e exigências. A democracia cultural pressupõe a existência não de um público único e uniforme, mas de vários públicos, no plural, com suas necessidades, suas aspirações próprias e seus modos particulares de consumo e fruição. Nesta nova perspectiva abandona-se uma visão unidirecional, terreno de certezas, onde se sabia que cultura deveria ser privilegiada, assumindo o universo da diversidade cultural, isto tanto no fazer quanto na recepção deste fazer.

Não menos importante é o fato de que nesse paradigma de democratização do acesso à cultura considera-se a população apenas como público, e não como participante ativa da vida cultural, trazendo um desafio para os formuladores de políticas de cultura. Qual deve ser o foco destas políticas: a população ou os produtores (artistas)? Sabe-se que uma das mais importantes formas de se formar um público é a partir da experiência vivida pelos indivíduos: ou seja, ter a possibilidade de fazer dança, teatro ou música, por exemplo. Isto significa a oportunidade de se conhecer essas outras linguagens e seus códigos, de maneira a alterar a natureza da relação com as diversas expressões artísticas. Incluí-las na formação de cada indivíduo é, provavelmente, a chance de alterar o padrão de relacionamento com as artes, ou seja, sair de uma fruição apenas de entretenimento para uma prática na qual este se desdobra num processo de desenvolvimento pessoal. Significa dizer que, para atender tanto a população quanto os produtores e artistas (que terão, aí sim, um aumento de seu público), as políticas devem levar em consideração a formação no sentido amplo: a formal – mediante o uso da escola – e a informal – pela oferta de oportunidades (programas ou projetos) fora da escola (onde a existência de equipamentos culturais multidisciplinares pode cumprir um importante papel formador).

Lembro ainda que o desejo por “cultura” não é nunca uma reivindicação clara por parte da população, que geralmente reclama mais por equipamentos de lazer, colocados geralmente como sinônimo de “cultura”. Quanto menor o repertório de informação cultural – altamente dependente da acumulação de saberes advindos do meio familiar e da formação adquirida tanto na escola quanto por outros meios – menores são as chances de se demandar algo diferente de um mero entretenimento. Daí, o caráter mais fluido do debate sobre as prioridades no terreno da cultura, sendo esta em geral considerada um fator distintivo, não uma necessidade cercada dos mesmos imperativos que as outras formas de ganho na hierarquia social. De modo geral esse caráter distintivo prevalece sobre a valorização do “fazer” , como vivência cultural mais aprofundada e alavanca na formação global dos indivíduos, minimizando sua presença nas políticas públicas. Apesar dos novos aportes ao debate sobre as desigualdades de acesso da população à vida cultural, a difusão da cultura erudita permanece – em todo o mundo – a prioridade orçamentária dos poderes públicos.

O fundamental para reverter este quadro, parece-me, será a formulação de políticas onde os poderes públicos coloquem à disposição os meios para que cada indivíduo tenha uma vida cultural ativa, permitindo-lhe desenvolver sua capacidade de processar as diversas linguagens e expressões artísticas, mais do que simplesmente lhe dar acesso material ao que tem mais prestígio num determinado quadro de valores estéticos. Falamos, portanto, da formação global do indivíduo, do investimento em sua criatividade, o que vai incidir diretamente em sua qualidade de vida e em sua capacidade de dar voz a suas necessidades. É esta formação integral do indivíduo que pode constituir o alicerce de uma verdadeira cidadania cultural.

*Isaura Botelho é pesquisadora e doutora em Ação Cultural na Escola de Comunicações e Artes da USP. Tem publicado artigos sobre política cultural em revistas especializadas e participado de livros, além de ministrar cursos em diferentes instituições nacionais e do exterior, bem como prestado consultoria a instituições. Coordenou o estudo sobre “O uso do tempo livre e as práticas culturais na Região Metropolitana de São Paulo” no Centro de Estudos da Metrópole, organismo ligado ao CEBRAP – Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Esteve a frente da Secretaria de Apoio à Produção Cultural, do Ministério da Cultura.


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