sexta-feira, 8 de abril de 2011

A Educação neste governo - Ensaio de - Claudio de Moura Castro

INTRODUÇÃO *(1)
O presente ensaio apresenta um conjunto de ideias e diretrizes para balizar as políticas educativas do próximo governo – que se iniciará em 2011. Dado o momento em que se encontra o País, não se trata de um cardápio contendo novidades revolucionárias. De fato, o Brasil evoluiu muito e os diagnósticos atuais do sistema educativo são bastante maduros. Portanto, trata-se de consolidar ideias que estão sendo discutidas e amadurecidas faz tempo.
Obviamente, não se buscou linhas de consenso em todos os azimutes do pensamento educacional. Isso nos levaria a políticas mornas, sem dentes e sem expressão. São apresentadas aqui ideias que encontram respaldo no que vem dizendo e escrevendo um grupo relativamente amplo de pensadores e pesquisadores, que se caracterizam por acreditar na chamada “educação baseada em evidência” e por respaldar seus argumentos com as melhores pesquisas e números disponíveis.
Não obstante serem compartilhadas por um número considerável de pensadores, algumas soluções aqui propostas são de implementação delicada ou penosa. Mas acreditamos que os seus benefícios amplamente superam o sacrifício quando posta em prática.
Um problema espinhoso para o planejamento é o fato de que somente a educação superior tem uma rede federal. No ensino básico, ou é estadual ou municipal. Portanto, um plano de educação feito nacionalmente pode tutelar quem está sob a autoridade do Ministério da Educação (MEC). Mas fica sobrando o ensino básico, manejado por municípios e Estados, autônomos para esse mister. Portanto, é um Plano que, para ser adotado, depende mais de persuasão do que da força da lei.

Este texto foi organizado em sete seções. A primeira apresenta as quatro premissas que norteiam as propostas. A segunda apresenta o ensino fundamental como a grande prioridade e a terceira trata da formação de professores. A quarta e a quinta abordam o ensino médio e a educação técnica nesse nível, respectivamente, no segundo caso abrangendo também os cursos voltados para formação de tecnólogos, de nível superior. A sexta trata do ensino superior tradicional, com três subseções – precedidas por uma breve introdução –, a primeira voltada para os sistemas público e privado em conjunto e as duas seguintes para esses sistemas separadamente. A sétima e última seção ocupa-se da pós-graduação.
I. PREMISSAS

Norteando tudo que está sendo proposto estão quatro premissas básicas. Acerca delas, há pouco dissenso, mesmo dentre grupos que discordam das proposições mais concretas apresentadas adiante.
1. Há ampla evidência de que o investimento na
educação é uma condição necessária para o aumento
da produtividade, para melhorar a distribuição de
renda e para a consolidação da democracia.

Como nos ilustram as experiências de países como a antiga União Soviética, educação não é condição suficiente para crescimento ou para democracia. Contudo, bem sabemos ser condição necessária, pois não há casos de sucesso dentre países que pouco cuidaram de sua educação.

Estudos internacionais estimando os resultados de investimento em educação encontram uma contrapartida equivalente no Brasil. Em ambos os casos, as taxas de retorno são altas em todos os níveis de escolaridade. E quase sempre são maiores do que aquelas obtidas para investimento em capital físico. Ou seja, é um bom investimento. De fato, estima-se que hoje nos países avançados, dois terços do capital seja o conhecimento (ou know-how).
Outras formas de tratar o problema como funções de produção e estudos correlacionais e históricos mostram exatamente a mesma coisa: educação e crescimento estão intimamente associados.

Educação custa dinheiro, e não é pouco. Nela se gasta mais de 5% do PIB. É muito ou é pouco? Na verdade, está na média mundial e há países gastando menos e conseguindo resultados bem melhores. Seja como for, em número de funcionários, o ensino é a maior indústria do País. Uma ideia disso é dada pelo fato de que o ensino básico, segundo dados do site do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), ocupava 2.908.873 professores em 2006. Além disso, se contarmos cursos informais, o tamanho econômico do setor de ensino se aproxima de 10% do PIB (2). Portanto, não se gasta pouco.
Não obstante, no ensino fundamental, os gastos são insuficientes. Esse é um nível em que deveríamos dedicar bem mais recursos. Considere-se apenas que um aluno do fundamental custa um décimo do que se gasta com universitários da rede federal.
2. As estatísticas e os testes não deixam dúvidas: em
matéria de educação, o Brasil está mal, apesar dos
grandes avanços na matrícula.

Somente em meados da década de 90 conseguimos universalizar a presença das crianças de 7 a 14 anos nas escolas. Foi muito tarde. Ainda assim, cumpre celebrar o evento. Contudo, reprovação e repetência continuam muito altas na transição da 4ª. para 5ª. série e altíssimas na 8ª. série e no ensino médio. São as mais altas do mundo.

O grande escolho hoje é a má qualidade do ensino oferecido (em boa parte responsável pela repetência e evasão – que aceleram a partir dos 14 anos). Nos testes do PISA, estamos entre os últimos lugares, em um conjunto de países que hoje atinge 50.
3. A maior deficiência está
na qualidade do ensino inicial

Nossos testes confirmam o desastre do início da escolarização (SAEB, Prova Brasil e ENEM). Para ilustrar, mais da metade dos alunos de quarta série não está funcionalmente alfabetizado.

Portanto, só há uma prioridade na educação brasileira: melhorar o ensino nas séries iniciais. Tudo mais, ou é consequência, ou será espontaneamente resolvido quando tivermos uma educação fundamental de qualidade. Embora o presente ensaio lide com propostas para todos os níveis, como deve ser, é o nível inicial que merece todo o apoio, sobretudo, considerando que as forças políticas e sociológicas tendem a desconsiderar esse nível. Ou seja, política educacional é para impulsionar aquelas mudanças que os sistemas e as gentes não são levadas a fazer por suas próprias vontades e iniciativas.
Isso não quer dizer que devemos parar de fazer tudo o mais que pode melhorar a educação. De fato, há muitas intervenções altamente eficazes, em todos os níveis – até na pós-graduação – e não há razões para que não sejam implantadas. Contudo, não podemos perder o centro de gravidade de todos os esforços. Este deve estar nas séries iniciais, pelo menos, por mais uns quantos anos.
4. Se os pais acham a educação boa,
é difícil implementar uma política de qualidade

Pesquisas recentes mostram que 70% dos pais acham boa a educação dos seus filhos. Ao que parece, para eles contam as melhorias de infraestrutura, merenda, livros etc. O dilema é que em um sistema minimamente democrático, a vontade da maioria pesa nas decisões dos políticos. Se o povo acha que a educação é boa, eles não veem razões sólidas para gastar recursos e capital político nas inglórias batalhas para melhorar a qualidade. Os 30% de insatisfeitos são, justamente, os mais educados. Esse é talvez o maior de todos os impasses na educação brasileira: o círculo vicioso da mediocridade.
Claudio de Moura Castro
Formado em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais com mestrado na Yale University e doutoramento na Vanderbilt University. Sua carreira profissional tem se concentrado em pesquisas na educação, ciência e tecnologia e políticas sociais. Trabalhou no IPEA, OIT, Banco Mundial e BID.
http://www.dcomercio.com.br/especiais/outros/digesto/digesto_18_especial/01.htm

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