sábado, 19 de novembro de 2011

O Elefante Acorrentado

O Elefante Acorrentado
Jorge Bucay (*)
Item do livro: “Deixa-me que te conte”. Lisboa, Pergaminho, 2004.
— Não consigo — disse-lhe. — Não consigo!
— Tens a certeza? — perguntou-me ele.
— Tenho! O que eu mais gostava era de conseguir sentar-me à frente
dela e dizer-lhe o que sinto… Mas sei que não sou capaz.
O gordo sentou-se de pernas cruzadas à Buda, naqueles horríveis
cadeirões azuis do seu consultório. Sorriu, fitou-me olhos nos olhos e,
baixando a voz como fazia sempre que queria que o escutassem com atenção,
disse-me:
— Deixa-me que te conte…
E sem esperar pela minha aprovação, o Jorge começou a contar.
Quando eu era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais
gostava eram os animais. Cativava-me especialmente o elefante que, como
vim a saber mais tarde, era também o animal preferido dos outros miúdos.
Durante o espectáculo, a enorme criatura dava mostras de ter um peso,
tamanho e força descomunais… Mas, depois da sua actuação e pouco antes de
voltar para os bastidores, o elefante ficava sempre atado a uma pequena
estaca cravada no solo, com uma corrente a agrilhoar-lhe uma das suas patas.
No entanto, a estaca não passava de um minúsculo pedaço de
madeira enterrado uns centímetros no solo. E, embora a corrente fosse grossa
e pesada, parecia-me óbvio que um animal capaz de arrancar uma árvore pela
raiz, com toda a sua força, facilmente se conseguiria libertar da estaca e fugir.
O mistério continua a parecer-me evidente.
O que é que o prende, então?
Porque é que não foge?
Quando eu tinha cinco ou seis anos, ainda acreditava na sabedoria
dos mais velhos. Um dia, decidi questionar um professor, um padre e um tio
sobre o mistério do elefante. Um deles explicou-me que o elefante não fugia
porque era amestrado.
Fiz, então, a pergunta óbvia:
— Se é amestrado, porque é que o acorrentam?
Não me lembro de ter recebido uma resposta coerente. Com o passar
do tempo, esqueci o mistério do elefante e da estaca e só o recordava quando
me cruzava com outras pessoas que também já tinham feito essa pergunta.
Há uns anos, descobri que, felizmente para mim, alguém fora tão
inteligente e sábio que encontrara a resposta:
O elefante do circo não foge porque esteve atado a uma estaca desde
que era muito, muito pequeno.
2
Fechei os olhos e imaginei o indefeso elefante recém-nascido preso à
estaca. Tenho a certeza de que naquela altura o elefantezinho puxou,
esperneou e suou para se tentar libertar. E, apesar dos seus esforços, não
conseguiu, porque aquela estaca era demasiado forte para ele.
Imaginei-o a adormecer, cansado, e a tentar novamente no dia
seguinte, e no outro, e no outro… Até que, um dia, um dia terrível para a sua
história, o animal aceitou a sua impotência e resignou-se com o seu destino.
Esse elefante enorme e poderoso, que vemos no circo, não foge
porque, coitado, pensa que não é capaz de o fazer.
Tem gravada na memória a impotência que sentiu pouco depois de
nascer.
E o pior é que nunca mais tornou a questionar seriamente essa
recordação.
Jamais, jamais tentou pôr novamente à prova a sua força…
— E é assim a vida, Damião. Todos somos um pouco como o elefante
do circo: seguimos pela vida fora atados a centenas de estacas que nos
coarctam a liberdade.
Vivemos a pensar que “não somos capazes” de fazer montes de
coisas, simplesmente porque uma vez, há muito tempo, quando éramos
pequenos, tentámos e não conseguimos.
Fizemos, então, o mesmo que o elefante e gravámos na nossa
memória esta mensagem: “Não consigo, não consigo e nunca hei-de
conseguir”.
Crescemos com esta mensagem que impusemos a nós mesmos e,
por isso, nunca mais tentámos libertar-nos da estaca.
Quando, por vezes, sentimos as grilhetas e as abanamos, olhamos de
relance para a estaca e pensamos: “Não consigo e nunca hei-de conseguir”.
O Jorge fez uma longa pausa. Depois, aproximou-se, sentou-se no
chão à minha frente e prosseguiu:
— É isto que se passa contigo, Damião. Vives condicionado pela
lembrança de um Damião que já não existe, que não foi capaz.
“A única maneira de saberes se és capaz é tentando novamente, de
corpo e alma… e com toda a forca do teu coração!”
(*) Jorge Bucay nasceu em Buenos Aires, em 1949. É psiquiatra e psicoterapeuta e exerce a
sua profissão na Argentina, no México e em Espanha, dirigindo cursos de psicologia da vida
quotidiana bem como grupos de reflexão para empresas e particulares. É autor de nove livros
com um grande sucesso de vendas em Espanha e na América Latina, de entre os quais se
destacam Deixa-me Que Te Conte, Contos para Pensar, Cartas para Cláudia, Amar de Olhos
Abertos e Conta Comigo, todos publicados pela Pergaminho, e que venderam já mais de dois
milhões de exemplares em todo o mundo. Quando é confrontado com o enorme sucesso da
sua obra, Jorge Bucay responde: “Escrevo apenas livros para pensar”.
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